OAB – ABANDONO DE CAUSA COMO ESPÉCIE DE CONDUTA INCOMPATÍVEL COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.
OAB – ABANDONO DE CAUSA COMO ESPÉCIE DE CONDUTA INCOMPATÍVEL COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.
1.- Tenho votado vencido no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/CE, quando em face de circunstâncias do caso, deixo de aplicar ao ABANDONO DE CAUSA, a simples CENSURA por entender que a tipicidade estabelecida no Art. 34, XI da Lei 8.906/94 vai absorvida pelo tipo firmado no Art. 34, XXV da mesma lei que sanciona a CONDUTA INCOMPATÍVEL com o exercício da advocacia que enseja SUSPENSÃO do exercício profissional.
2.- Acontece, que a Lei 8.906/94, no seu Art. 44, caput, dando expressão concreta à proclamação do Art. 133 da CF/88 quanto a ser a advocacia indispensável à ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, conferiu à OAB natureza de SERVIÇO PÚBLICO e, determinou-lhe a exclusividade para atuar na disciplina do advogado.
3.- Em sua atuação disciplinar, o compromisso da OAB é com a sociedade, não se recomendado CONTEMPORIZAR a conduta de advogado destoante do padrão legal de compatibilidade com o exercício da advocacia.
Nessa posição institucional, impõe-se à OAB conferir prioridade, prevalência ao interesse público, ao interesse da sociedade, OPTANDO PELA REAÇÃO DISCIPLINAR MAIS EFICIENTE.
Contribui, ainda, no caso em pauta, para a melhoria da imagem institucional da advocacia, perante a Sociedade, que verá na reprimenda disciplinar propósito proativo e infenso ao sentimento meramente corporativo.
4.- Como sabido, a ADVOCACIA NÃO PODE SER EXERCIDA CONTRA O DISCERNIMENTO EXPRESSAMENTE MANIFESTADO EM FAVOR DA CIDADANIA.
Cumpre destacar que, sob a CF/88 vigora o Princípio da Juridicidade, em substituição à Legalidade Estrita, para abrigar os princípios constitucionais implícitos ou explícitos, os quais são normas jurídicas.
Assim, os membros dos órgãos julgadores da OAB, devem aplicar a hermenêutica constitucional, que, na visão do Ministro LUIS ROBERTO BARROSO, é aquela que exige que O INTÉRPRETE REALIZE UMA APLICAÇÃO CONSTRUTIVA DO DIREITO, VISANDO GARANTIR A MÁXIMA EFETIVIDADE AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS.
Reitera-se, pois, a necessidade de reação disciplinar EFICIENTE evitando que se postergue o reconhecimento de que, sob a boa-fé objetiva deve pautar-se o exercício da ADVOCACIA.
5.- O tema não é explorado pelos comentadores do Estatuto da Advocacia e da OAB que se limitam versar sobre as tipicidades explicitas como menor potencial disciplinar, havidas como suficientes, prontas e acabadas, sem percepção de que podem ser, apenas, o fato revelador de uma conduta incompatível com o exercício da advocacia, que, no Art.35,XXV da Lei 8.906/94 compõe o chamado TIPO ABERTO.
6.- A boa-fé tem sido caracterizada como conceito jurídico indeterminado, ou seja, adaptável segundo as exigências do caso concreto e segundo os valores éticos da sociedade. Contudo, podemos dizer que a boa fé objetiva consiste num padrão de conduta, onde cada pessoa deve agir de acordo com um modelo de comportamento moral, em que suas atitudes serão valoradas de acordo com parâmetros de lealdade, probidade e honestidade.
O princípio da boa-fé constitui cláusula geral e serve como elemento interpretativo das normas jurídicas, como elemento de limitação de direitos.
A boa-fé objetiva, estabelecendo os deveres de comportamento que as partes devem seguir nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, é considerada como sendo um princípio geral, não expresso no ordenamento legal, mas incorporado ao direito brasileiro como um todo, por força do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
7.- O primeiro contato com o futuro cliente e o conhecimento de seu problema impõe ao advogado uma série de deveres, como por exemplo, manter sigilo, informar ao cliente do conteúdo do contrato (colaboração), advertir, aconselhar e esclarecer (informação), preocupar-se com a outra parte (proteção), o de lealdade, entre outros.
Em toda e qualquer situação na qual se possa, à primeira vista, identificar o ABANDONO DE CAUSA, cumpre considerar AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO, para aferir-se, existir ou não CONDUDA INCOMPATIVEL COM O EXERCICIO DA ADVOCACIA.
8.- Ao deixar de apresentar a peça de defesa, sem justa causa, não atende ao interesse coletivo a mera CENSURA, porque isto acarretará para o cliente que o constituiu o ônus da revelia, com confissão quanto à matéria de fato, fazendo com que os prazos fluam independentemente de intimação.
9.- A perda do prazo para peticionar, sem justa causa, não se compatibiliza com o exercício da advocacia, até porque existem variadas situações sujeitas a prazos prescricionais e decadenciais.
10.- O advogado é contratado para atuar no processo buscando alcançar a melhor solução para defesa dos interesses de seu cliente. O processo é formado por vários atos e procedimentos aos quais o advogado tem que se fazer presente, seja distribuindo, acompanhando, peticionando, intervindo ou realizando audiências previstas no curso do processo.
A contratação normalmente supõe a presença do profissional em todos os atos do processo, sobretudo, nas audiências, seja de conciliação, seja de instrução e julgamento e, sem justa causa, não se tem o simples abandono, um conduta incompatível com o exercício da advocacia.
11.- Devemos nos lembrar de que o fato mais relevante na contratação do advogado é a confiança que o cliente lhe deposita, e onde se tenha a quebra desta confiança, tipifica-se uma conduta incompatível com o exercício da advocacia.
12.- Deixar de promover os atos e diligências que lhe competem no processo, acarretando a extinção do processo sem julgamento do mérito, uma vez devidamente intimado para suprir a falta em 48 horas e não o faz, tipifica conduta incompatível com o exercício da advocacia.
Não se diga que o cliente prejudicado poderá propor novamente a ação pelo mesmo motivo, resgatando os documentos juntados ao processo arquivado, de modo que venham a instruir o novo processo, até porque sempre será possível que, por algum motivo, o desarquivamento deste processo para o desentranhamento dos documentos seja dificultado, ou gere o decurso de prazo decadencial.
13.- Certamente, em princípio, qualquer tipo de abandono da causa, em se tratando de processo criminal, tem uma expressão social de relevância, e, não pode prosperar o entendimento de que, a designação de um defensor dativo, o chamamento da Defensoria Pública, são fatores excludentes da tipicidade disciplinar.
Oportuno registrar que o Conselho Federal da OAB já ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-4398) perante o STF para que se aprecie a inconstitucionalidade do artigo 265 do CPP, na parte que prevê multa de 10 a 100 salários-mínimos para o advogado que abandonar processo sob sua responsabilidade, por entender que o referido dispositivo fere a lei federal 8.906/1994 – Estatuto da OAB – que estabelece exclusividade da OAB para apuração de eventual abandono.
De outra parte, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem proclamado que no processo criminal o réu tem direito à manifestar sua aceitação ou não ao defensor chamado a substituir o advogado faltoso ao qual confiara sua defesa.
Destaque-se no HABEAS CORPUS Nº 389.899 - RO -2017/0041272-0, da sua ementa e voto do relator MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
“A escolha de defensor, de fato, é um direito inafastável do réu, principalmente se levar em consideração que a constituição de um defensor estabelece uma relação de confiança entre o investigado/réu e seu patrono, violando o princípio da ampla defesa a nomeação de defensor dativo sem que seja dada a oportunidade ao réu de nomear outro advogado, caso aquele já constituído nos autos permaneça inerte na prática de algum ato processual”.
14.- O art. 2º, § 1º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) proclama que no seu magistério privado, o advogado presta SERVIÇO PÚBLICO, ou seja, atua como agente da Administração Publica Federal, fato reforçado pelo Art.44, da mesma lei que configura a OAB como um SERVIÇO PÚBLICO(caput), sem dependência de outros órgãos do aparato estatal administrativo(§1º), tendo como finalidade:
I) Defender a Constituição, a ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a JUSTIÇA SOCIAL, pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II) Promover, COM EXCLUSIVIDADE, a representação, a defesa, a seleção, e a DISCIPLINA DOS ADVOGADOS.
Essas proclamações legais, que dão expressão operacional, à elevação do advogado ao patamar da ordem constitucional(CF/88, art.133), projetam efeitos em TODOS OS ASPECTOS DA ATUAÇÃO DO AVOGADO E DA OAB, os quais, porem, nem sempre são considerados, por falta de compreensão sistemática da Lei 8.906/94.
15.- A primeira e fundamental compreensão do sentido e alcance da Lei 8.906/94 é a SEPARAÇÃO da autuação da OAB, quando desempenha a função de DEFESA DO ADVOGADO e quando exercer a FUNÇÃO DISCIPLINAR, excluindo-se desta, quaisquer sentimentos de classe ou corporativos.
Na verdade, onde e quanto se tenha um ABANDONO DE CAUSA apto a desabonar a imagem da advocacia, ou do advogado, causando, ainda, embaraços à Administração da Justiça, opera-se uma conduta incompatível com o exercício da advocacia.
O que se pretende com as presentes considerações é colocar em pauta de reflexão, que a elevação da atividade advocatícia ao plano constitucional, com a declaração do advogado como indispensável à administração da Justiça, e a exclusividade de competência da OAB para exercer, administrativamente, o controle social dessa atividade profissional, impõe o desprendimento de modelagem formal onde e quando se tenha situação merecedora de reação com potencial de efetividade para reprimir conduta inconciliáveis com as boas praticas de advocacia.
É importante que não apenas os julgadores, mas também os advogados despertem para essa questão e observem que o exercício da advocacia requer constante estudo, prudência, eficiência e vigilância.